quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Melhor Assim

Me peguei imaginando como seria nosso "reencontro".
Eu não sei onde a gente iria. Se àquele restaurante que você adorava no shopping, comer batatas com queijo ou àquele bar onde saímos bêbados. Eu mais que você, obviamente. Eu sei, foi há milênios atrás.
Só sei que vou estar bem nervosa quando você parar na frente de casa para me pegar. Vejo você descendo do seu carro para me dar aquele “oi” mais acalorado das pessoas que não se vêem há muito tempo, especialmente aquelas, que já tiveram alguma intimidade, mas que ficaram por tempos afastados um do outro. Já quase me vejo pensando numa gracinha qualquer para quebrar o gelo daquele primeiro beijinho no rosto e daquele abraço demorado - que eu vou interromper para entrar no carro antes de você perceber que meu coração está feito repique de escola de samba.
Ainda não sei sobre o que vai ser o começo da nossa conversa.
Talvez sobre a crise mundial ou sobre o novo CD do Oasis.
Mas eu acho que você vai falar mais do que eu. Dessa vez.
Porque você é outro, eu sou outra, o presidente dos Estados Unidos é outro, enfim, a vida mudou muito desde aquele último drink.
Eu acho que tudo que você me disser vai me interessar. Ainda mais depois de anos sem que eu tenha prestado real atenção em alguém - mesmo que tentasse convencer a mim mesma, o tempo todo, que os assuntos deles me interessavam.
Num dado momento, vai até parecer que você quer se abrir, mas que tem medo, e que prefere esperar mais para entrar nos detalhes mais íntimos da sua vida num tempo em que a ela eu não pertencia mais. Certo você! Eu também vou preferir ficar na minha quando o assunto for o meu último relacionamento ou o fato de eu ainda trabalhar no mesmo lugar até hoje, sendo que você, além de carreira, já mudou até de casa mais de uma vez.
Eu vou te achar um cara bem mais centrado, melhor resolvido, senhor de si e, bom, senhor de mim, naturalmente. Só que você não vai saber disso. É que eu vou fingir que não estou me derretendo por você, mesmo que, no fundo - e antes da gente ter comido o pão preto - o meu sangue esteja correndo sob temperaturas de Vênus.
Mas como você é outro, eu sou outra, o presidente dos Estados Unidos é outro, enfim, como a vida mudou muito desde aquele último drink, eu não vou transparecer essa situação tão pessoal do meu sistema circulatório. E você vai ficar surpreso porque vai me achar tão tranquila e vai pensar que puxa, eu não era assim. Vai se lembrar de que achava até meio charmosinho o fato de que às vezes eu falava tão rápido quanto um locutor de corrida de cavalos. Mas ali, não. Porque eu vou falar devagar. Vou até comer um pedacinho do frango da minha salada, bem sossegada, enquanto você pede mais um copo de Coca sem limão e dá a primeira garfada nas batatas com queijo. Sim, algo me diz que a gente vai acabar indo até aquele restaurante que você adorava. E que eu continuei a frequentar por todo esse tempo.
Se vamos falar do meu novo curso na faculdade? Só se você puxar a conversa para me agradar, é claro. Sim, você vai querer me agradar. Especialmente quando começar a achar que eu estou muito na minha para quem não te via há tanto tempo.
Daí o papo fluirá naturalmente para músicas e filmes. É, pensando bem, vai ser inevitável que falemos sobre o novo CD do Oasis. Passaremos rapidamente por assuntos Obâmicos, faremos referência à fusão dos nossos bancos, à sapatada no Bush, à possibilidade do fim do mundo em decorrência do funcionamento do Grande Colisor e, é claro, à crise econômica global. Aí você vai me ensinar algumas frases onomatopaicamente engraçadas, nós vamos rir e pedir mais Coca.
Quando eu começar a contar sobre o apartamento que estou morando, você, sem dizer nada, vai se lembrar de como me achava romântica. Vai se lembrar do incenso de alecrim que acendi ao seu lado da cama numa noite em que - você nem faz idéia - eu tive medo, de tão feliz que me senti. Você vai se lembrar de que, todas as vezes que nos falávamos por telefone, eu nunca sabia o seu timing e acabava falando demais, e que você achava isso irritantemente engraçado.
Mas de repente, enquanto eu estiver articulando as palavras no meio da entorpecência da sua presença quase insólita na minha frente, mil perguntas invadirão meu cérebro – mesmo eu percebendo que não é a hora para você revelar os tais detalhes íntimos. E eu vou te achar tão perfeito para mim, de novo, que vou começar a pensar.
Será que um dia você chegará a me conhecer direito? A verdadeira eu? Essa, que dorme de meias e come "um real de pão de queijo" todas as manhãs.
Será que algum dia eu vou conhecer seus segredos, aqueles desprezíveis e ordinários? Porque não é possível que você não tenha algum, apesar dessa sua cara de banho tomado. Será que algum dia você chegou a saber quem eu fui de verdade enquanto estávamos meio juntos? Será que estivemos mesmo meio juntos? Será que você precisa saber de alguma coisa minha que já não esteja à mostra? Será que adianta fingir que sabia de alguma coisa? Será que eu quero saber de um outro você que não esse aqui?
Para ser sincera, talvez, hoje, você nem caiba mais na minha vida. Porque sim, foi tudo meio lindo, mas meio triste também, não? Meio abortado. Meio sem começo, sem meio, sem fim. Metade de alguma coisa.
E de repente, eu não acredito mais em nada.
E por isso, decido não entrar mais no msn e não retorno seu email.
Justamente porque você é outro, eu sou outra, o presidente dos Estados Unidos é outro e a vida, meu bem, mudou muito desde aquele último drink.