Havia uma comunidade carente, ou melhor dizendo, havia uma favela, porque comunidade carente é um termo muito atual e essa é uma fábula. Nessa favela havia muitos e muitos moradores, como já se imagina, e pela quantidade de pessoas, encontrava-se ali diversos estilos, caráteres, influências, dominâncias, etc. "Caldeirão cultural" seria um nome apropriado para as favelas do país. Mas esse Caldeirão tinha uma pitada a mais que os outros pois Lili, cabelo amarelo, morava lá. Uma garota de estilo próprio, cabelo curto, mente inquieta, vontades e sonhos peculiares. Uma pessoa que antes de ser apenas uma garota, pensava na humanidade como um todo que depende de todos e a melhoria da vida social era seu maior objetivo.
Como residia em um ambiente que muitas vezes era hostil, Lili sentia que estava começando sua batalha "por um mundo melhor" no lugar ideal. Dedicava-se à escola, família, amigos e a outras várias atividades que o seu papel como voluntária da comunidade exigia. Sua rotina era cansativa, mas sempre que imaginava seus vizinhos aproveitando os benefícios (que na verdade eram direitos mas que naquele momento eram tão precários naquela favela) ela sentia uma imensa alegria em continuar.
Lili estava no meio de muitos projetos. Um deles, era a busca de um tal vereador que na eleição havia prometido apoio e estava "sumido", outro era a organização de um passeio das crianças à uma reserva florestal para entenderem melhor a importância da preservação do meio ambiente. Mas mesmo assim atendeu ao pedido de sua mãe, que gentilmente preparou um bolo para sua avó que estava internada em um hospital e não poderia levá-lo na visita.
Saiu de seu "escritório" às 13h pois o hospital mais próximo, onde sua avó estava, demorava em média duas horas para chegar devido às más condições de transporte público e o trânsito caótico já comum da cidade. Após atravessar a favela praticamente inteira, pois não havia ponto de ônibus, ela passou uma hora em pé, em meio há muitas outras pessoas na mesma condição. E fazia bastante calor. Mas a paisagem da "viagem" era linda, Lili se encantava com as ruas residenciais cheias de árvores e flores, não invejava as mansões gloriosas, mas as flores... Eram belíssimas!
O percurso de Lili até o hospital foi exaustivo, mas não convém comentar todos os detalhes, o que é relevante: a sensação de descaso com o mundo que ela percebia vinda de todas as pessoas dentro de seus carros vazios e com o ar condicionado ligado, todos muito à vontade. No caminho ponto de ônibus - hospital, via no semblante de seus semelhantes, que por "obra do destino" encontravam-se abastados nessa vida, uma atmosfera de repulsa por ela, pela sua cor de pele e seu cabelo, que por vontade própria era de um amarelo gema, simples assim, só para se diferenciar de seus tantos irmãos. Mas Lili não se encabulou, sabia que era muito mais que aquilo, sabia que tinha um papel fundamental na vida da sociedade e isso a tornava forte.
Chegou ao hospital e foi direto para a fila de visita, que estava tão lotada quanto o ônibus. Lili aguardou pacientemente sua vez. Chegada a hora de ver sua avó, dirigiu-se ao quarto, onde a encontraria com mais cinco senhoras em um ambiente abafado.
Dona Olália, muito debilitada, sorridente, mal conseguia falar, mas tentava agradecer a visita de sua neta tão querida. Depois dos cumprimentos, Lili percebeu que sua avó realmente não estava bem, viu que provavelmente era mais um ataque epilético que estava acontecendo. Mal esse, que há anos assombrava essa senhora, de aspecto tão bondoso. Calmamente, mas não deixando a angústia de ver sua avó nessa situação, Lili chamou uma enfermeira. Para seu espanto, a enfermeira não atendeu seu pedido e ainda, de forma muito rude, disse ser apenas espasmos musculares. Lili sabia que não era, e não aguentou ver essa crueldade, deixando a calma de lado, tentou de todas as formas ajuda para sua avó, em vão. Às 15:30h daquele mesmo dia, Dona Olália faleceu nos braços dessa pequena soldada do bem, que só conseguia se lembrar de como o ser humano ainda é tão mau.
E desde então, Lili assalta milionários, ateia fogo em prédios e veículos em protesto, entra em conflito com a polícia, enfim, faz tudo que o Estado espera de um marginal. Ou melhor, faz tudo que um cidadão que sofre tanto com o descaso do Estado sente vontade de fazer.
segunda-feira, 16 de março de 2009
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